terça-feira, 3 de abril de 2007

Perguntas à Língua Portuguesa


Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas dela? Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:

Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?

No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?

A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?

O mato desconhecido é o anonimato?

O pequeno viaduto é um abreviaduto?

Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente?

Quem vive numa encruzilhada é um encruzilheu?

Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?

Tristeza do boi vem dele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?

O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?

Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?

Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?

Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?

[...]
Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina. Lembro a camponesa da Zambésia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela faziaé, afinal, trabalho de todos nós. Colocamos essoutro português - o nosso puguês - na travessia dos matos, fizemos que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.

Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas - o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente.


Mia Couto

Pintura de Bertina Lopes, Mafalala

7 comentários:

Anónimo disse...

perguntas com resposta...

Anónimo disse...

as misturas de expressões isoladas dá o que d+a...

Lobo disse...

Muito bom este texto, tem umas corruptlas de linguagem que são mesmo interessantes, se formos comparar o português daí de Portugal e o daqui do Brasil então, aí nem se fala.
Ótimo blog, belos escritos.

Bj.

Mago dos sonhos disse...

Saudações!

Ser do encanto, o Mago deseja-te uma Santa e Feliz Páscoa...

Sonhos Mágicos

Unknown disse...

Minha querida alminha, parabéns pelo teu novo blog! Afinal a desnaturada sou eu que entro no Esboço pelos favoritos...
Gostei imenso do teu Eco!

*♥*´¯`*Beijinhos*´¯`*♥*

Anónimo disse...

he h ehe...mia couto---
gostei....
as palavras devem permanecer,,,,
o nao ,,,,e tao forte quanto o sim,,,e sim,,,gostei da escolha...

Sandokan disse...

Todas as coisas tombam e são construídas de novo. E os que as constroem outra vez são felizes.
Dá para entender, não dá?

Visita-nos no:

http://lusoprosecontras.blogspot.com