terça-feira, 6 de março de 2007

O meu filho não gosta de ler


O meu filho não gosta de ler

Entretanto, no liceu (como dizem em itálico as histórias de banda desenhada belgas da sua geração), os pais:

- Sabe, o meu filho... a minha filha... os livros...

O professor de Português já percebeu: o aluno em questão "não gosta de ler".

- Mas o que mais me espanta é que quando era mais pequeno, lia imenso... devorava. Não é, querida? Podemos dizer que devorava.
- A querida opina: devorava.
- É preciso que se diga que nós proibimo-lo de ver televisão! (Aqui temos outra figura de retórica: a proibição absoluta de ver televisão. Trata-se de um famoso truque pedagógico, que consiste em resolver o problema suprimindo o seu enunciado!)
-É verdade, proibido de ver televisão durante todo o ano escolar. É um princípio que mantemos intransigentemente!

Televisão, não pode ver, mas tem piano das cinco às seis, viola das seis às sete, dança à terça, judo, ténis, esgrima ao sábado, esqui mal caem os primeiros flocos de neve, vela mal o sol desponta, olaria nos dias de chuva, viagem a Inglaterra, ginástica rítmica...

Ele não tem a mais pequena hipótese de se encontrar consigo próprio, mesmo que seja apenas durante um quarto de hora.

Morte aos sonhos!
Morte ao tédio!
O belo tédio...
O longo tédio...
O tédio que torna possível o acto de criar...

- Fazemos os possíveis por que ele nunca se aborreça. (Coitado dele...)
- Nós preocupamo-nos - como direi? -, preocupamo-nos em dar-lhe uma formação completa...
- Eu diria eficaz, querida, sobretudo eficaz.
- Se não fosse assim, não teríamos cá vindo.
- Felizmente que em matemática os resultados não são maus...

Daniel Pennac, Como um romance, Ed. Asa

Pintura de Adelaide Claxton

2 comentários:

Blogildo disse...

O gosto pela leitura, em minha opinião modesta, é herança de família. Se pai e mãe são leitores, a probabilidade de o filho ser leitor é fortíssima!

Nilson Barcelli disse...

Por incrível que pareça há muitos pais que fazem isto aos filhos.
Nem oito nem oitenta, mas estes casos são de oitocentos... um exagero, claro.
Beijos.